Entra num espaço terapêutico. À medida que um terapeuta desconhecido cumprimenta, alguns pensamentos passam à velocidade da luz. Será que vai ser simpático?
Será que vai ser critico? Poderá ser autoritário? Se começar a chorar, será que me vai dar um abraço e dizer que vai ficar tudo bem? Mas afinal... o que é que se pode esperar, por parte do terapeuta?
Para muitos, a decisão de procurar um profissional não é algo fácil. Primeiro, existe a noção de se investir dinheiro em algo que não se sabe se vai resultar. Segundo, não se conhece a pessoa com quem se priva a intimidade e sofrimento. Terceiro, não nos passa pela cabeça a postura que ele vai adoptar. Claro que, temos também o cenário de pessoas que passam por vários terapeutas e, nesse caso, outras questões se colocam. Será que a pessoa vai agir da mesma forma que o terapeuta anterior? Ou ainda, se a experiência prévia foi muito negativa, existe a possibilidade da nova relação sair enviesada. Frisando a palavra relação.
De facto, a maior parte dos sistemas de terapia têm como base o estabelecimento de uma relação, entre cliente ou paciente e terapeuta. Digo uma relação porque esta relação, em particular, possui diferenças de outras relação mais pessoais, ou mesmo profissionais.
Com o avançar da história da Psicoterapia, começou a perceber-se que o terapeuta, de modo a ser eficaz e prestar um serviço, necessitaria de adoptar uma determinada postura. Em primeiro lugar, a relação entre terapeuta e cliente é uma relação de prestação de serviços. Nesse sentido, o terapeuta deve certificar-se que o cliente possui o mínimo de acesso à sua vida privada. Em algumas situações, pode de ser inevitável o encontro como por exemplo, o terapeuta e cliente encontrarem-se na mesma superfície comercial, a fazerem compras. Nesse caso, o terapeuta não deve ignorar o cliente, mas não deve dar azo a grande conversa, aliciando a curiosidade do cliente sobre a sua vida pessoal. Se o terapeuta perceber, de antemão, que é algo que vai acontecer, deve deixar esclarecido a situação, de modo a que o cliente possa saber com o que pode contar.
Em segundo lugar, o terapeuta não critica ou julga. Todos nós temos opiniões, valores e crenças em que acreditamos, tão ferozmente que alguns são convertidos em estilos de vida. Exemplos mais simples são opções religiosas, sexuais, políticas ou mesmo alimentares. Sendo uma parte integrante da estrutura da pessoa, o terapeuta não deve permitir que as suas opções e crenças entrem em colisão com o cliente, numa postura que as suas são correctas e as do cliente erradas. Este não é um movimento fácil já que o terapeuta também é uma pessoa. De modo a que isso seja possível, o terapeuta deve passar por muitas horas de treino, se necessário um processo de desenvolvimento pessoal e, em última análise, a consciência de ser capaz de lidar com a pessoa, com todo o profissionalismo, ou se deverá passar o caso para outro colega.
Em terceiro lugar, o terapeuta não deve ser simpático, durante a terapia. Isto pode ser algo confuso, por isso vou tentar ser o mais claro possível. Claro que o terapeuta deve ser cordial, profissional, genuíno, caloroso e simpático na sua recepção do cliente. Contudo, existem momentos do processo terapêutico em que o sofrimento vem à tona e o cliente começa a sofrer. Numa relação de proximidade pessoal, costumamos ser simpáticos com um gesto físico ou uma palavra amiga, de que tudo há de correr pelo melhor. Ao contrário, a relação terapêutica não é de amizade, é sim de confiança e empatia. O terapeuta deve ser validante e empático (empatia é a capacidade de compreensão cognitiva e emocional do sofrimento do outro, como se fosse capaz de se colocar na sua posição).
Em quarto lugar, terapia é um processo de prestação de serviços. Nesse sentido, o terapeuta deve estabelecer um preço pelo seu trabalho e requerer pagamento. Fazer algo por favor acaba por não ser muito profissional e desvaloriza o papel do terapeuta. Nesse sentido, o terapeuta deve excluir-se de prestar um serviço profissional a pessoas que já tem uma relação pessoal estabelecida. Alguns dos motivos são: dificuldade ou impossibilidade de se manter neutro; não conseguir ver a pessoa como uma cliente, mas sim como outra relação qualquer; ser difícil a pessoa aceitar-nos como terapeuta, já que está habituada a ver-nos de outra maneira.
Muitas mais questões se poderão abordar, como a privacidade, confidencialidade, etc. Tanto Psiquiatras como Psicólogos são obrigados a cumprirem uma série de regras estabelecidas pelas entidades que regulam a profissão. Essas regras de conduta são conhecidas como Códigos Deontológicos. No caso dos Psicólogos, cada um de nós tem de cumprir o Código Deontológico da Ordem dos Psicólogos Portugueses, sob o risco de sofrer sanções ou processos, quer pela Ordem quer pelos clientes que nos procuram. Se tiverem curiosidade, poderão encontrar esse documento disponível, no site da Ordem dos Psicólogos Portugueses.
Finalmente, deixo uma palavra sobre as terapias alternativas ou holisticas. A maior parte desses sistemas não possuiu códigos de conduta explícitos e os seus facilitadores, na maioria, não são profissionais formalmente treinados. Isso faz com que a postura seja diferente do que estive a comentar, ao longo do texto. Neste sentido, cabe ao cliente, em última análise, saber até que limite permite que o facilitador intervenha.
Se é um facto que muitas pessoas têm bom senso, outras não o terão. Certifique-se sempre que se encontra em segurança e que vê os seus direitos serem respeitados!